‘Transparência deve marcar parceria entre shopping e lojista’

 ‘Transparência deve marcar parceria entre shopping e lojista’

Para o economista Nelson Barrizzelli, contrato diferenciado entre âncoras e satélites faz parte do negócio no mundo, mas comerciante tem de saber por que paga parte do condomínio de quem não paga

Loja física, e-commerce, shopping estão aí para conviver juntos e o sucesso de cada um deles vai depender de quem os administra, de conhecer e atender às demandas do seu público.

Em relação às condições macroeconômicas, quem comanda o varejo é a renda. Se cresce, as condições são mais favoráveis ao consumo, se cai, a procura por produtos esfria.

Agora, o Brasil atingiu a sua capacidade de gerar PIB (Produto Interno Bruto). Se crescer menos de 2,5% ao ano, a geração de riqueza que precisa deve acontecer somente no ano 3.000.

A análise é de Nelson Barrizzelli, economista, consultor de varejo e coordenador de projetos da FIA (Fundação Instituto de Administração), criada por professores da USP.

Um país como o Brasil, diz ele, precisa crescer 5% a 6% ao ano de forma constante para, assim, distribuir riquezas, investir em infraestrutura, rodovias, dar educação para a população.

Com crescimento de 2,5% ao ano, de acordo com ele, vamos ficar onde sempre estivemos, parados. Para ele, os governos municipais, estaduais e federal não investem em planejamento.

“Dois terços da população não entendem do que estamos falando agora e, por isso, erram na hora de escolher prefeitos, governadores, presidentes.”

Diante deste cenário, no qual se incluem as mudanças de comportamento dos consumidores, diz, vão aparecendo os conflitos entre shopping e lojista, loja física e site estrangeiro e por aí vai.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista com Nelson Barrizzelli:

ÂNCORA X SATÉLITE

No mundo inteiro, quando um shopping escolhe as âncoras, faz sentido ter contrato diferenciado, assim como para as lojas satélites que foram escolhidas pelo empreendimento.

Depois que foram preenchidos os espaços com as marcas eleitas, as sobras de lojas são para aqueles que desejam entrar no shopping. 

Evidentemente que, nesses três casos, os contratos são diferentes. No mundo funciona assim.

Agora, o 13º aluguel é uma questão de negociação, não sei se é justo ou não.

ADMINISTRAÇÃO

O fato é que, para que um shopping funcione tem de ter uma administração, diretor, gerente. E essa administração tem que manter o local funcionando, limpo, com ar condicionado.

Uma parte disso é paga pelo condomínio. Mas tem também o pessoal da administração que precisa ser pago. Se isso é embutido no condomínio ou não precisa ser transparente.

Se o lojista é menor, ele paga parte do condomínio de quem não paga?

O lojista que não atrai público, que só depende do fluxo do shopping, deve pagar mais condomínio porque não contribui para trazer gente para o empreendimento?

Se todas essas questões forem respondidas, se a relação for transparente, todo mundo ganha, o shopping e o lojista. O benefício dado a alguns segue uma lógica, não é um favor.

O lojista e o shopping têm interesses comuns, os dois querem ganhar dinheiro, então tem de ter uma relação de troca.

Do mesmo jeito que o shopping quer que o lojista traga cliente para o shopping, ele também tem de trazer cliente para o lojista.

Tem de ter mais conversa, mais troca de ideias de ambas as partes, se não, perde o consumidor e, por consequência, o lojista e o shopping.

MERCADO

Todo administrador de shopping faz pesquisa antes de escolher um local. Qual tipo de loja funciona, qual não funciona, o que o público da região procura.

Quando este mercado surgiu no Brasil, há décadas, e estava em expansão, as construtoras quiseram entrar, só que, com pouca experiência, acabaram errando no mix.

Hoje, estamos em um processo de maturidade do setor de shopping, que ainda vai se estender por muito tempo, mas o fato é que alguns já ficaram pelo meio do caminho.

No passado, profissionais bem sucedidos acabavam comprando loja em shopping para a esposa, para a filha tocar, sem que elas tivessem qualquer experiência.

O que acontece é que, depois de algum tempo, a loja não ia para a frente, ficava fazia. 

Para que isso não aconteça, alguns shoppings estão com regras bem mais rígidas para identificar quem deve entrar. Outros, porém, ainda só se preocupam em receber o aluguel.

Precisamos reconhecer que os shoppings tiveram um prejuízo grande com a pandemia e quando a situação foi voltando à normalidade tiveram de negociar caso a caso com o lojista.

LOJA FÍSICA

A loja física vai continuar existindo, mas, sem dúvida, a virtual será uma concorrente importante. No Brasil, diferentemente dos EUA, existe algo que favorece a loja física.

Se você compra uma camiseta tamanho P, M ou G na Flórida ou na Califórnia, você sabe qual é o tamanho P, M ou G. Aqui, não tem padrão.

As lojas físicas de vestuário vão continuar existindo porque o consumidor brasileiro precisa experimentar as peças. 

Comprei três camisas do meu tamanho pela internet e quando chegaram vi que cabiam duas pessoas do meu tamanho nas camisas. Dei todas as três de presente.

E-COMMERCE

A tendência é crescer no Brasil, agora depende também do produto. Se quero comprar um televisor, posso ir à loja física e também acessar a internet para procurar o melhor preço.

Agora, há riscos. Se comprar só por causa do preço, sem olhar marca, etc., o produto pode quebrar depois de uma semana de uso. Tudo isso precisa ser considerado.

Minha filha está esperando há dois meses vestidos adquiridos em sites chineses. Perdeu dinheiro.

US$ 50 

A decisão do governo de cobrar imposto de importação somente de produtos acima de US$ 50 foi uma grande bobagem. 

De aviões e submarinos até vestidos e sapatos, o governo atual acha que tudo deve ser adquirido no Brasil. 

O resultado é que as empresas chinesas estão enchendo contêineres de mercadorias e despejando no Brás.

ATACAREJO

Num primeiro momento, os atacarejos substituíram os hipermercados, só que o número de lojas cresceu demais e a população não tem renda para a quantidade de lojas que apareceu.

Os atacarejos, que tinham 800 itens, passaram para 3,5 mil itens, foram aumentando mix e o conceito de atender os pequenos varejistas mudou para atender também o consumidor.

E os supermercados de bairro, que, no passado, diziam que poderia acabar, não vão acabar.

Uma pesquisa que tive acesso há uns dois anos mostrou que um terço ia fechar, um terço já estava se organizando para os filhos tocarem e um terço já estava preparado para sobreviver.

ESTACIONAMENTO

Considero correto um shopping cobrar um valor do estacionamento para cobrir o seguro de um carro que está estacionado, mas não buscar lucro.

O estacionamento deveria ser uma prestação de serviço para o cliente e para o lojista. O shopping deveria aceitar qualquer tipo de sistema de catraca, como Sem Parar, e outros.

Shoppings de São Paulo decidiram liberar as catracas para quem tem Sem Parar e outros, mas para quem está cadastrado. E quem não se cadastrou, como faz?

No shopping Morumbi (Multiplan), essa mudança de liberar as catracas causou filas imensas para entrar no estacionamento, que deveria ser um serviço, não fonte de lucro.

IMAGEM: Marcelo Min/AFG