‘Shoppings devem ser hubs de marcas em parceria com lojistas’

 ‘Shoppings devem ser hubs de marcas em parceria com lojistas’

Para o arquiteto Júlio Takano, depois da casa e do trabalho, o terceiro lugar na lista dos consumidores tem de oferecer experiências, facilidades e prazer, e os centros de compras têm esse potencial

As mudanças no comportamento de consumo nos últimos anos vão exigir das empresas de shopping centers e dos lojistas uma nova maneira de enxergar e tocar o negócio.

A relação de locação de espaços entre as partes deve evoluir para o conceito de marketing estratégico, com atuação conjunta de administradores de empreendimentos e comerciantes.

Isso significa um trabalho muito mais voltado às parcerias, com ações para atender às novas demandas dos clientes, do que numa simples relação entre locador e locatário.

O consumidor mudou e os shoppings precisam se transformar em “hubs” de marcas para realizar parcerias, ações, eventos conjuntos, não de forma isolada.

A análise é do arquiteto Júlio Takano, fundador e CEO da Kawahara Takano Retailing, empresa especializada em arquitetura de negócios e ecossistemas de varejo.

O processo de refazer a relação entre os centros comerciais e os lojistas, diz, pode partir das empresas de shoppings, mas os lojistas também podem apresentar sugestões, soluções.

“Por que uma agência de viagem não pode ter em seu espaço uma loja de malas, um show room para mostrar a primeira classe de um avião, produtos necessários para viagens?”

De acordo com Takano, virão anos difíceis para o varejo, o que já é possível ver a partir do momento em que redes tradicionais do país enfrentam graves problemas financeiros.

Desde o início deste ano, não param de surgir notícias sobre prejuízos, dívidas gigantescas, fechamento de lojas de empresas gigantes.

Uma das primeiras a anunciar problemas financeiros foi a Americanas, com uma dívida da ordem de R$ 20 bilhões, envolvendo bancos grandes e médios.

A Marisa acaba de divulgar o fechamento de 91 lojas como parte de um processo para pagamento de dívidas e recuperação de caixa.

A Tok&Stok anunciou dívida da ordem de R$ 600 milhões e também está em processo de fechamento de lojas, principalmente no Norte e no Nordeste do país.

O Magazine Luiza fechou o primeiro trimestre deste ano com prejuízo de quase R$ 310 milhões. No mesmo período do ano passado, o prejuízo foi menor, de R$ 98,8 milhões.

A Centauro fechou dez lojas no início do ano, principalmente concentradas no Rio Grande do Sul, com a intenção de reduzir despesas e elevar o lucro.

Criada em 2012, a rede Amaro, uma das primeiras a integrar o comércio físico e o on-line, entrou com pedido de recuperação extrajudicial por causa de uma dívida de R$ 245 milhões.

As notícias que circulam entre quem estuda e atua no varejo são de que outras redes, inclusive médias, estão indo para o mesmo caminho, o que deve engrossar a lista de varejistas em crise.

“As empresas precisam prestar muito mais atenção na área financeira e na governança. A conexão entre as companhias pode ajudar demais a atravessar esses momentos difíceis”, diz Takano.

A maioria dos lojistas brasileiros, afirma, ainda acha que, isoladamente, consegue tocar um negócio. “Ele chama o fornecedor, faz uma ação, vende, e está tudo certo. Não está.”

Depois do caso da Americanas, que registra prejuízo na casa dos bilhões de reais, diz, os varejistas estão até mais atentos às áreas contábeis, jurídicas, financeiras e de governança.

“O fato é que empresas de shoppings e lojistas só vão tratar de ecossistemas de negócios de consumo consciente se esses temas passarem por governança”, afirma Takano.

Com governança estruturada, diz, aí sim entram em ação os planos para o resgate dos negócios, de posicionamento de marcas, seja em lojas de rua ou em shoppings.

A Shein, plataforma chinesa que chegou ao Brasil em 2020, afirma, não deve nortear o varejo que paga impostos, tem estrutura física e fábricas que priorizam o consumo consciente.

O mundo viveu a época do fast fashion, diz, conceito no qual grandes redes, principalmente, despejam diariamente novos produtos nas lojas, como no modela da rede espanhola Zara.

Mas uma parcela cada vez maior da população, especialmente quem tem mais de 50 anos, afirma, não quer mais produtos descartáveis, quer peças com qualidade, sustentáveis.

Lojas estão fechando, segundo Takano, porque não ficaram atentas ao fluxo de caixa. As vendas caíram e não se preocuparam com as mudanças de comportamento dos consumidores.

“Agora, elas precisam readequar o portfólio de produtos e serviços para atender os clientes que querem produtos com durabilidade. A oportunidade para quem acordar é exponencial.”

O terceiro lugar na vida das pessoas, diz, considerando que o primeiro é a moradia, o segundo, o trabalho ou a casa (home office), tem de dar prazer, ser um local de desejo.

“As empresas do futuro, portanto, são aspirantes a ser o terceiro lugar na vida das pessoas.”

Esse terceiro lugar, diz, tem de ser aquele que o consumidor elenca não apenas porque precisa comprar, mas porque oferece prazer e uma boa experiência em seu espaço. “Esse processo é transformador.”

Para Takano, é dessa forma que se constrói o posicionamento de uma empresa, de uma marca, que é capaz de atrair um cliente que deseja tirar pelo menos dez minutos de férias por dia.

IMAGEM: Leonardo Rodrigues/DC