Dívidas e clientela escassa dificultam sobrevivência de restaurantes por quilo

 Dívidas e clientela escassa dificultam sobrevivência de restaurantes por quilo

No Centro da capital paulista, região com grande concentração de bancos, escritórios e comércio de todos os tipos, o antes disputado restaurante O Bonde deu lugar a um prosaico estacionamento.

Na Vila Olímpia, outro bairro paulista com características semelhantes, o Espaço Hibisco, que recebia em média 350 clientes só no almoço, com picos de 520, resiste bravamente para atender de 15 a 30 por dia.

Uma estimativa da AbraselSP (regional da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) aponta que, dos 200 mil estabelecimentos que operavam no tradicional modelo self-service ou “por quilo” no país, 80 mil fecharam as portas. Destes, 50 mil funcionavam em São Paulo, e pelo menos 12 mil ficavam na capital paulista.

Com o agravamento da pandemia, o modelo, que há um ano sinalizava um futuro incerto devido ao home-office, os novos protocolos sanitários e o abre-e-fecha do comércio, foi um dos grandes prejudicados.

“Todo mundo se endividou com fornecedores, bancos, funcionários e o Fisco achando que 2021 seria melhor. Mas foi bem pior”, afirma Percival Maricato, presidente do conselho estadual da Abrasel-SP.

Outra pesquisa, esta da série “Covid”, divulgada em maio último em conjunto pela Associação Nacional de Restaurantes (ANR), pela consultoria Galunion e pelo Instituto Foodservice Brasil (IFB), confirma este cenário.

O levantamento, que ouviu 650 entrevistados, aponta que 71% dos bares e restaurantes afirmam ter dívidas. Desse total, 79% devem para bancos, 54% têm impostos em atraso e outros 37%, débitos com fornecedores.

Desses empreendimentos endividados, 29,2% têm dívidas totais que representam de 1 a 3 meses de faturamento mensal médio de 2020. Outros 28,1% afirmam que o endividamento representa de 4 a 6 meses da receita, e 15%, de 7 a 12 meses. Para 19,4% do total, as dívidas representam mais de um ano de faturamento.

Apenas 8,3% dizem que o total é menor que um mês das receitas. Mas há um dado preocupante: 66% afirmaram que, em caso de novas restrições ou lockdown, o capital de giro não dura mais do que 30 dias.

Para restaurantes self-service, cujo modelo se baseia no atendimento rápido e rotativo durante poucas horas diárias, o cenário é bastante desafiador, segundo Ely Mizrahi, presidente do Instituto Foodservice Brasil.

Enquanto não avançar a imunização do público adulto acima de 18 que “trabalha fora”, não haverá retomada efetiva do setor de alimentação fora do lar, diz. Mesmo que o mercado como um todo sinalize recuperação.

“Muitas empresas do setor estão quebrando, e quem ainda resiste já está ficando sem fôlego”, afirma. “A retomada do foodservice tem correlação direta com a vacinação, e se vier a terceira onda, será muito pior.”

RESISTÊNCIA  

Ativo há 25 anos na rua Cardoso de Melo, uma das mais famosas da Vila Olímpia (Zona Sul da capital paulista), o restaurante por quilo Espaço Hibisco atraía diariamente centenas de clientes fiéis, funcionários dos escritórios do entorno, com especiais como “Festival de Lasanhas”, às quintas, ou a “Sexta dos Sanduíches.”

Porém, com a quarentena e o vai-e-volta das medidas restritivas, as contas já não fechavam. Para manter o restaurante aberto, a proprietária, Maria Tereza Dias, fez o que pôde para garantir sua sobrevivência.

Vendeu um carro de R$ 76 mil, usou R$ 350 mil em reservas financeiras e conseguiu renegociar alguns contratos e o aluguel. As quase três décadas no imóvel ajudaram.

“O dono me isentou nesse período”, conta.

Não demitiu nenhum dos oito funcionários até agora, mas precisou contratar R$ 150 mil do Pronampe – medida que, de certa forma, se arrepende, já que ela não pode demitir “nem quem está querendo sair”, sob pena de ter que quitar o empréstimo na íntegra – uma exigência do governo para liberar o financiamento.

Nos períodos em que o governo tem autorizado a reabertura dos bares e restaurantes, Maria Tereza afirma que,  os 350 clientes, em média, que atendia diariamente antes da pandemia, hoje variam entre 15 e 30.

“Não vale a pena abrir, mas há clientes que fazem questão de vir aqui. E preciso quitar as dívidas que fiz.”

Porém, mesmo com a queda significativa nas receitas, a dona do Espaço Hibisco, que já trabalhou como gerente de grandes redes de fast-food no passado, não cogita fechar o restaurante. Pelo menos por enquanto.

“Muitos empresários aqui da região não aguentaram, e quem não quebrou, vai quebrar. Fora que o governo te amarra e não te dá benefício nem na crise”, afirma. “Mas vou esperar até outubro para ver se sobrevivo a essa ‘guerra’, para ver se melhora alguma coisa… Afinal, não dá para morrer na praia após 25 anos, né?”

VAI ACABAR OU NÃO? 

Essa queda no total de consumidores que frequentavam restaurantes por quilo é confirmada pelos números. Levantamento do Instituto Food Service Brasil (IFB) aponta que, se em 2019 a participação desse modelo no setor de food service era da ordem de 7%, no 4° trimestre de 2020 esse percentual caiu para 4,8%.

Já o tráfego de clientes desse tipo de restaurante, que era de 59% antes da pandemia, caiu para 34%. No Brasil, a média de público de 1,070 milhão que o segmento atendia, caiu para 438 mil, destaca Ely Mizrahi, presidente do IFB, que em maio do ano passado deu pistas sobre como seria o destino dos quilos no curto prazo.

Por ser muito presente em regiões comerciais com muitos escritórios, como Centro, a Av. Paulista, Faria Lima e Vila Olímpia, o modelo self-service foi altamente impactado pela mudança da rotina de trabalho, destaca.

Quando o processo de vacinação avançar, as empresas devem voltar a chamar os funcionários em home-office para, no mínimo, uma jornada híbrida. E aí a retomada desses estabelecimentos deve começar.

“Não acredito que daqui para frente a jornada vai ser 100% home-office”, afirma. “Porém, essa nova jornada vai reduzir o número de pessoas que se alimentam fora do lar – e em consequência, o tamanho desse mercado.”

Será que o restaurante por quilo vai acabar, então? Mizrahi diz que, com a diminuição de estabelecimentos nesse perfil, quem ainda estiver aberto e resistir, pode aproveitar bem esse contexto desde que se reinvente de acordo com o novo comportamento do consumidor. E se ajuste ao modelo delivery, que veio para ficar.

“Mas com a vacinação atrasadíssima, para muitos essa trajetória não deve durar nem até o fim do ano”, alerta.