‘A inteligência artificial enxerga algo que a gente não vê’

 ‘A inteligência artificial enxerga algo que a gente não vê’

Em seu novo livro, o especialista Eduardo Terra, da SBVC, aponta caminhos e oferece insights para os negócios, em especial os pequenos, absorverem ao máximo o potencial dessa tecnologia

Dados, marketing, logística, entregas e, principalmente, experiência do consumidor. A inteligência artificial (IA) é a grande tendência para o varejo apontada pela NRF 2024, seja para remodelar processos, trazer mais eficiência ou hiperpersonalizar a jornada de compra. 

Há quem diga que ela pode desumanizar as relações de consumo, mas a realidade é que essa tecnologia, que já existe há algumas décadas, se tornou um passo à frente em relação ao omnichannel na realidade do varejo – em especial do pequeno.

Seja para melhorar a descrição dos produtos e otimizar processos, para promover redução de custos com aumento do tíquete médio, ou até gerar campanhas de sucesso nas redes sociais, a IA passou as ser prioridade no dia a dia das operações.

É o que mostra o recém-lançado “Inteligência Artificial no Varejo” (Ed.Literare Books Internacional, 2024), livro do especialista Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC).  

Ao desmistificar questões sobre esta tecnologia emergente e apontar suas principais vantagens, Terra apresenta formas práticas de aplicação dessas ferramentas na rotina do varejo, além de destacar questões éticas e uso responsável da IA. E, claro, dá exemplos sobre como capitalizar as oportunidades que surgem com seu uso.

Aqui, mais do que capacidades técnicas, entram as tão faladas soft skills. “O varejista que tiver imaginação, capacidade de expressão, habilidade em fazer perguntas e amplo repertório de conhecimento estará em vantagem para extrair as melhores respostas da IA.” 

Considerado um dos maiores especialistas em varejo do país, Eduardo Terra, além de presidente da SBVC, é sócio da BTR Educação e Consultoria e da HiPartners Venture Capital. 

Também integra o conselho de grandes empresas (O Boticário, Petz, Votorantim e Ipiranga AM/PM, entre outras), é professor de cursos de pós-graduação e MBA, palestrante em eventos nacionais e internacionais sobre varejo, e autor de livros e artigos sobre varejo e consumo. 

Em bate-papo com o Diário do Comércio, o especialista faz um breve panorama sobre como a IA tem transformado as operações do varejo e as interações com o consumidor, e exemplifica, com um case internacional, como às vezes ela enxerga além da nossa compreensão. 

DC – Como a IA tem mudado as operações de varejo? 

Eduardo Terra – Em todas as suas linhas. E quais são essas linhas? Receitas, por exemplo, pois há uma série de oportunidades de aumentar faturamento, trazer mais clientes e fazer com que comprem mais vezes, que é o que a gente chama aumento de frequência. 

Também gera oportunidades de aumento de tíquete médio, atuando nas campanhas promocionais, no que a gente chama de CRM, trabalhando, por exemplo, aqueles clientes que não vão à loja há mais de 30 dias.

Em alguns casos, nas chamadas campanhas de aniversário, nas campanhas inteligentes, se um cliente que compra uma coisa, mas não compra outra, com a ‘inteligência promocional’ dá para gerar uma série de oportunidades para fazer o cliente comprar mais, também sem comprometer na margem: por que vou dar desconto aqui se posso dar desconto lá?

São diversas aplicações da IA: na inteligência de imagem, nas despesas. Ela também pode gerar economias na alocação de times, entregas ou transportes.

Essas são as vantagens. E quais as desvantagens? 

Eu não vejo desvantagem. Se você souber usar, é uma arma, é uma ferramenta que, usada corretamente, só vai trazer vantagens para o varejista em todos os aspectos. 

Pode dar alguns exemplos práticos de como as funcionalidades da IA devem melhorar o dia a dia da operação? 

A IA transforma dados, que hoje estão em grande quantidade: dados sobre cliente, sobre produto, sobre um monte de coisas, dentro de uma inteligência que fará muita coisa acontecer – como oferecer uma experiência melhor para o consumidor.

Quando um cliente vai à loja, e a loja está pronta para ele, com ofertas, produtos, atendimento, é melhor para todos. Ele se sentirá mais bem atendido, a experiência será melhor, o varejista vai vender mais. E o processo todo será um ganha-ganha.

Para citar um exemplo, no e-commerce os varejistas têm usado a IA para melhorar a descrição dos produtos. Às vezes a gente quer comprar alguma coisa e o produto está muito mal descrito, então o ChatGPT – que é o que a gente chama de inteligência artificial generativa – tem sido uma ferramenta poderosa para descrever os produtos de forma mais rica, detalhando para que servem, onde podem ajudar… 

Se for um alimento, qual informação nutricional, que tipo de alergias pode provocar. Enfim, tudo isso melhora muito a experiência na hora de comprar um item se compararmos a uma versão anterior, com uma descrição feita de forma pobre, simples e muito frágil.  

A IA pode ser usada em praticamente todas as áreas de uma empresa. Mas para um pequeno negócio do comércio, por exemplo, por onde começar?  

Uma das evoluções da IA é que ela se tornou democrática, e o ChatGPT é um exemplo. Ele tem tanto a versão gratuita quanto a própria assinatura, que é barata, e o processo de educação para uso da tecnologia é gratuito. Em vídeos, podcasts, o pequeno negócio, o pequeno varejo, tem acesso a uma série de soluções de uso, como, por exemplo, posts para redes sociais.

Você consegue usar o ChatGPT economizando times, equipes, de um jeito melhor e mais barato. Para cadastro e descrição de produtos, o ChatGPT ajuda. Então há uma democratização da inteligência artificial. Ela não é cara, é acessível, e a maneira de usá-la também.

A IA pode desumanizar as relações de consumo? Mesmo que hoje existam empresas que usam chatbots humanizados, o consumidor acha ruim ou pouco importa conversar com um robô, por exemplo, desde que seja atendido dentro das suas expectativas? 

Sobre a desumanização, depende da maneira como você vai usar. Se você usar toda essa potência da IA e tirar o elemento humano, sim, você pode deixar o processo frio, mas aí é a maneira como você vai usar. A questão é adicionar, é uma equação de soma, não de subtração.  

Ainda nesse ponto, claro que os chatbots têm limites. Ele pode começar um atendimento, pode dar agilidade a esse atendimento… mas tem uma hora que, dependendo da situação, o consumidor quer falar com uma pessoa, e a empresa tem que estar atenta a isso.  

IA é de fato uma grande tendência para 2024 e para os próximos anos? 

Eu acho que sim. Ela veio pra trazer agilidade, soluções, inteligência. Na própria NRF, esse foi o tema mais falado. 

Há algum case que se destaque no uso da IA para melhorar a experiência do consumidor e, em consequência, aumentar os lucros?  

É difícil a gente falar de cases. Os grandes cases são confidenciais, as empresas não querem compartilhar porque são vantagens competitivas. Mas o que a gente tem visto é a inteligência artificial em diversas perspectivas, como eu já citei algumas, e uma super importante é usar no processo de planejamento, compras, abastecimento para melhorar o nível do estoque.

Mas um case fora do Brasil que é bacana é de uma empresa de foodservice que usa inteligência artificial para abastecer seus parceiros com pizzas congeladas. Há o caso de uma rede de food trucks que começou a usar a inteligência artificial para receber a quantidade certa de pizzas e, num determinado momento, ao invés destes food trucks pedirem a quantidade e os sabores das pizzas, a inteligência artificial começou a calibrar usando dados do que ia acontecer em torno e do histórico desse food truck – é isso que a inteligência artificial faz.

Nesse dia, a IA mandou uma quantidade X de pizzas, e uma outra tal de pizza de calabresa. Faltava uma hora para encerrar a operação, e tinha sobrado um estoque enorme de pizza de calabresa. O legal desse exemplo é todo mundo falando: ‘tá vendo como não funciona, tá vendo como é melhor a gente pedir?’ Mas próximo a esse espaço, acontecia um jogo, um evento esportivo. Acabou o jogo, um monte de gente foi ao food truck, e o perfil desses torcedores era justamente o de consumir a tal pizza de calabresa. Nessa última hora, o estoque acabou. 

Ou seja, a inteligência artificial tinha mapeado esse evento, sabia quem eram os consumidores, e antecipou esse consumo: por isso mandou o estoque extra. Em resumo, a gente não deveria discutir os dados, porque ela provavelmente enxerga algo que a gente não vê.

IMAGEM: Divulgação /DC