Todo mundo quer concorrer com a Shein
Seguindo o modelo operacional e as estratégias de marketing da gigante do fast fashion, outras marcas chinesas, como Cider e Zaful, começam a aparecer para o mundo com enorme variedade de peças e preços baixos
No ar desde 2008, a marca chinesa de moda ultrarrápida Shein vivenciou um crescimento explosivo por volta de 2016, quando finalmente conseguiu estruturar a sua operação e consolidar uma poderosa capacidade de produção na China.
Com um modelo de negócios baseado no fast fashion, a empresa aposta na fórmula de preços baixos, big data para apurar as tendências da moda, domínio do uso das redes sociais e rapidez impressionante para colocar novos itens na grade.
Só no Instagram, são mais de 33 milhões de seguidores no mundo – a conta brasileira da rede tem quase 12 milhões de seguidores. Em 2021, a Shein se tornou o aplicativo de compras mais baixado da Apple Store nos Estados Unidos, superando o da Amazon pela primeira vez, e tem sido assim desde então.
Mas não é só entre consumidores que a companhia causa um furor. Empresários chineses também acompanham essa trajetória e procuram imitar essa fórmula, apesar de uma pressão global para que os negócios migrem para modos mais sustentáveis.
Nos últimos anos, uma onda de startups de fast fashion baseadas na tecnologia e experiência chinesa trabalham para replicar o crescimento estratosférico da Shein. Contando com a infraestrutura abrangente da cadeia de abastecimento da China e com modelos baseados em aprendizagem automática para prever tendências, essas empresas são capazes de produzir milhares de novos produtos diariamente, ultrapassando concorrentes como a Zara, expandindo com rapidez para vários mercados internacionais.
Estudos sobre essa tendência mostram que há pelo menos 12 plataformas no cenário chinês semelhantes à Shein em termos de modelo operacional, público-alvo e estratégia de marketing. A dúvida que fica é se alguma delas poderá causar o mesmo impacto que a Shein já desencadeou nos mais de 150 países em que vende seus produtos.
Atualmente, o maior nome depois de Shein é a Cider, fundada por Wang Chen, cofundador da plataforma de locação de roupas Ycloset. Avaliada em mais de U$ 1 bilhão, a Cider passou por quatro rodadas de financiamento em seu primeiro ano de negociação, com investimento internacional da DST Global, IDG Capital e Greenoaks Capital.
Lançada no final de 2020, alguns de seus produtos se tornaram virais e hoje a conta oficial do Instagram já acumula 5,4 milhões de seguidores. Digitalmente nativa, a Cider se autodescreve como “uma marca de moda com mentalidade global e que prioriza o social fabricando roupas para uma nova geração”.
Uma das preferidas entre os consumidores abaixo dos 30 anos, a Cider tem como característica a venda de roupas fofas e coloridas, e foi isso que a tornou conhecida entre as asiáticas como uma das marcas de moda mais descoladas do TikTok.
No papel, a marca funciona de forma semelhante à Shein, listando pequenos lotes de itens para ocasiões específicas todas as semanas com produtos vindos de fabricantes parceiros e utilizando dados para produzir – o que, teoricamente, lhes garante manter os custos baixos e reduzir o estoque não vendido.
Outro player significativo no setor de fast fashion é a Zaful, de propriedade da Globalegrow E-commerce. Fundada em 2014, a plataforma de comércio eletrônico é especializada em trajes de banho acessíveis para homens e mulheres, e atende principalmente o mercado plus size. São 6 milhões de seguidores no Instagram e pouquíssimas informações a respeito de suas práticas comerciais.
Para Luiz Russo, especialista em marketplace, Cider e Zaful são as candidatas mais fortes entre os concorrentes atuais em termos de indicadores como influência nas redes sociais, desenvolvimento, tráfego e crescimento.
Ambas tentam se aproximar o máximo possível da Shein no que se refere a marketing e gerenciamento da cadeia de suprimentos, que segundo Russo, são os principais atributos para torná-la imbatível até o momento.
Mas parte da fórmula já é replicada com sucesso por essas novatas. Russo cita o uso de influenciadores, vídeos de unboxing e parcerias com celebridades como outras estratégias importantes e que têm orientado o crescimento da comunidade dessas empresas que inclui boa performance no TikTok, buscas no YouTube e muita repercussão no Instagram. As visualizações do YouTube sobre compras feitas na Zaful, por exemplo, incluem dois vídeos vistos mais de 10 milhões de vezes.
Mesmo preenchendo todos os requisitos para ser uma varejista de fast fashion e com um ritmo alucinante de produção de roupas baratas, o que todas essas empresas têm em comum é a suspeita da qualidade dos seus produtos e a falta de informação sobre suas cadeias de abastecimento, que levantam hipóteses sobre possíveis práticas laborais antiéticas e um impacto ambiental desastroso.
Os preços ultra baixos dos produtos despertam questionamentos sobre as condições em que os itens são produzidos. Instalações sem condições adequadas de saúde e segurança, jornadas de trabalho de 11 horas por dia, com apenas um ou dois dias livres por mês, trabalhadores sem contrato, pagamento por peça produzida são alguns dos problemas já associados ao nome da Shein.
Apesar de tanta disputa pela posição, Russo diz ser difícil ver qualquer uma dessas empresas emergindo como rival da Shein ainda. As oportunidades para um avanço inicial podem ser maiores se estiveram focadas em categorias de produtos de nicho.
O especialista cita iniciativas, como a Cupshe, que se tornou uma das marcas de moda praia mais populares da Amazon. Há três anos, a marca começou gerando uma receita inicial de US$ 250 milhões, expandiu para o estilo athleisure, que leva roupas de academia para o dia a dia de forma casual, e agora investe em novas categorias para, talvez, em algum momento, aumentar sua área de atuação chegando aos moldes da Shein.
Em Londres, a Urbanic também busca espaço nessa competição. Fundada em 2019, a marca tem como premissa peças de boa qualidade a um preço acessível para diversos públicos. Tentando se posicionar como uma marca de moda ESG que produz roupas sob demanda para reduzir desperdício de matéria-prima, a empresa afirma ter reduzido o desperdício de roupas em 98,75%.
A justificativa é que por meio de uma inteligência artificial que prevê os recursos necessários na produção de roupas de acordo com a procura do cliente, a Urbanic trabalha com estoque zero e, portanto, as fábricas planejam e produzem somente as peças solicitadas.
A CONCORRÊNCIA BRASILEIRA
Em 2023, a Shein gerou cerca de R$ 15 bilhões em vendas no Brasil. Um desempenho que supera concorrentes de longa data no campo da moda, como a Renner, que faturou R$ 4,3 bilhões, e a C&A, que chegou a R$ 6,7 bilhões no mesmo período e que não operam exclusivamente no e-commerce.
A lista é grande. Amaro, Marisa, Riachuelo e outras fazem parte desse rol de varejistas de vestuário que se veem em um cenário competitivo um tanto limitado. No último ano, a Amaro pediu recuperação extrajudicial com dívidas que somam R$ 244,5 milhões, credores da Marisa entraram na Justiça pedindo a falência da empresa por dívidas de R$ 880 milhões e a Riachuelo fechou uma fábrica e trocou de comando para tentar mudar de estratégia.
Enquanto tudo isso acontecia, a Shein formalizava a sua intenção de investir R$ 750 milhões para transformar o Brasil em um hub de produção e exportação de suas peças na região. O plano da companhia chinesa é produzir 85% do que é consumido pelos brasileiros na indústria local e gerar cerca de 100 mil empregos.
Com mais de 300 fábricas parceiras no Brasil e de olho em outras 1,7 mil fabricantes, a expectativa do mercado é por um jogo mais justo, com todos sujeitos às mesmas regras e sob a mesma carga tributária. Além disso, a suposição é que, desse modo, talvez a Shein não consiga manter seus preços tão lá em baixo – trunfo que a colocou entre as lojas mais buscadas por brasileiros.
Russo relembra que os preços praticados atualmente pela Shein são um grande mistério e muito agressivos para o mercado em que compete. Ainda que as brasileiras repliquem a tecnologia e inteligência, dificilmente conseguirão vender com os preços da Shein.
De acordo com Sandro Magaldi, consultor de varejo, para além das questões operacionais, cada uma dessas empresas tem o seu “modo de ser e fazer”, que resulta em uma cultura organizacional e isso traz vantagens tanto do ponto de vista de produtividade quanto de competitividade.
Ao considerar os números das varejistas brasileiras e pensando em como superá-los, o consultor acredita que os movimentos de fusão serão cada vez mais comuns no varejo, por estar massacrado por margens de lucro pequenas enfrentando a concorrência dos e-commerces internacionais, como a Shein.
“O estrago é brutal ao oferecer preços tão competitivos com operação bem estruturada”, diz Magaldi.
Rodrigo Garcia, especialista em gestão de marketplaces da Petina Soluções Digitais, concorda. Em um momento em que os comércios digitais brasileiros tentam se equiparar aos players internacionais e que se consolidaram no país, como Shein e Shopee, é preciso pensar fora da caixa, diz o especialista.
O motivo de os negócios chineses roubarem os holofotes do mercado nacional também se deve às opções de entrega e aos produtos com custo-benefício que enchem os olhos do consumidor, e que não são facilmente encontrados no Brasil.
“Essa competição entre os marketplaces é normal. Um diferencial que as empresas adotam para gerar uma experiência melhor para os consumidores é a utilização de cupons de descontos e frete com um valor mais acessível”, diz Garcia.
O especialista fala também sobre a tendência de consolidação dos “big players”, que está cada vez mais comum no comércio on-line. Esse processo ocorre quando uma grande empresa se funde ou adquire empresas menores, para ganhar mais escala e aumentar sua participação no mercado, diminuindo a concorrência.
Garcia destaca que, enquanto nos Estados Unidos existem três ou quatro marketplaces consolidados, como Amazon, eBay, Walmart e Aliexpress, no Brasil este número é de dois dígitos. E a tendência é que as pequenas sejam absorvidas ou dizimadas pelas grandes, o que não é necessariamente ruim, pois mantém o mercado mais focado.
IMAGEM: DC/diário do comércio