Restaurantes: lojas fechadas, negócios abertos

 Restaurantes: lojas fechadas, negócios abertos

Com a permissão de funcionar apenas no sistema de delivery, bares e restaurantes devem permanecer fechados para atendimento presencial durante a fase vermelha da quarentena no Estado de São Paulo.

Sob muita polêmica, o retorno às restrições determinado pelo governo atinge o setor que já perdeu ao menos 30% de seus negócios desde o início da pandemia, de acordo com a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes). Comerciantes reclamam da mudança de fases que resultam em um constante abre e fecha de lojas, que perdem com a organização de estoque, escalonamento de funcionários e pagamentos de aluguel.

Daniel Cerveira, advogado especializado em varejo, reforça que o atual momento é complicado para os operadores de restaurantes que ficam sem referência para decidir se compram ou não matérias-primas, considerando que rapidamente precisam ser descartadas, quando não utilizadas.

Ele explica que a estrutura de custos fixos dos varejistas físicos é formada, principalmente, pelas despesas com a compra dos insumos, tributos, funcionários e o aluguel do ponto comercial, sem contar os desembolsos com empréstimos bancários.

“É imperioso que, como ocorreu no início da crise sanitária, sejam criados mecanismos que compensem os comerciantes pelos prejuízos gerados pela pandemia. Desta forma, os empresários terão estímulos para preservar as vagas de trabalho e possibilitará a continuidade da arrecadação fiscal”.

MUDANÇAS NA OPERAÇÃO

Com base na experiência do último ano, o mercado testa alternativas para minimizar prejuízos. Thiago Koch, chef e sócio da rede Bullguer, recorda que antes da pandemia o delivery ainda não estava bem posicionado no negócio, que no primeiro dia de restrições viu o número de entregas subir de 9 para 25.

Sem muitas alternativas, o negócio que costumava abrir as portas somente para o jantar passou a servir também no almoço – a primeira de muitas mudanças incorporadas à hamburgueria. Daí em diante, a rede lançou combos familiares e focou no fortalecimento do delivery. Houve a necessidade de repensar o ponto da carne para que o tempo de deslocamento não prejudicasse o sabor que o consumidor estava habituado.

Koch diz que a pandemia e o aumento significativo no número de entregas também reforçou o desejo e compromisso da rede em zerar o uso de plásticos descartáveis. As lojas já haviam eliminado o consumo de canudos e estava no processo de substituir as embalagens, copos e talheres plásticos por opções biodegradáveis.

Entretanto, Koch também acredita que o momento seja oportuno para organizar as redes de alimentação para o período pós-covid.

“As prioridades vão mudar e vão estar pautadas em segurança e sustentabilidade. Espaços de consumo a céu aberto e embalagens sustentáveis vão fazer a diferença num momento em que as pessoas estarão preparadas para sair de casa”, diz.

APP PRÓPRIO, VANTAGENS E FIDELIZAÇÃO 

Também em busca de soluções para amparar sua rede de franqueados, Sylvio Drummond, dono da rede Camarão Camarada, aderiu a isenção de royalties por quatro meses, no último ano, e organizou um escalonamento no retorno do pagamento. Além disso, o empresário diz estar atento a publicação de medidas provisórias, especialmente no campo tributário e no surgimento de linhas de financiamento para empresários.

Do ponto de vista comercial, a rede lançou há pouco mais de um mês um aplicativo próprio para melhorar a margem de lucro e criar vantagens para o cliente – a opção já representa 20% do faturamento do delivery. Para ganhar adesão, Drummond diz trabalhar focado em fidelização: quem compra pelo aplicativo é isento de taxa de entrega, tem acesso a um cardápio diferenciado, recebe um voucher de desconto e muitas vezes, recebe alguma cortesia do restaurante.

“Com aplicativo próprio temos acesso ao cadastro dos clientes e podemos entrar em contato para saber como eles receberam o pedido, por exemplo. É um momento de fidelizar e encantar”, diz.

PERSPECTIVAS DO DELIVERY

Embora o momento atual ainda faça o delivery brilhar, Sergio Molinari, fundador da Food Consulting, especializada em food service, aposta numa desaceleração do delivery em 2021.

Parcela importante do mercado de food service, o delivery decolou nos últimos três anos com a ascensão do delivery on-line (impulsionado pelos aplicativos de entrega), que teve um crescimento estimado em 110% em 2019, enquanto, o delivery como um todo cresceu 6% no mesmo ano.

Em 2020, esses números ganharam nova dimensão pela pandemia. O delivery on-line cresceu entre 150% a 175%, enquanto o delivery como um todo teve aumento entre 30% a 40%. Mesmo com essa expansão, o mercado de food service teve queda aproximada de 30%.

Tendo esses índices como pano de fundo, Molinari relaciona três raciocínios para justificar sua tese sobre a desaceleração do delivery:

– De acordo com a Kantar, 80% dos consumidores de até 50 anos que vivem em áreas urbanas já são adeptos do delivery.

– 58% das lanchonetes passaram a atuar no delivery em 2020.

– Em algum momento, o avanço da vacinação e a queda no número de mortes causadas pelo coronavírus resultarão na retomada do consumo presencial e numa certa saturação do delivery.

Logo, na opinião do especialista, não existe nenhum elemento seguro ou perspectiva palpável para justificar um novo crescimento do delivery em 2021 similar ao que ocorreu nos últimos três anos.

“Ele (delivery) segue importante dentro do food service, crescendo acima da média, mas não dessa forma. A competição deve aumentar e algumas redes vão se tornar inviáveis. Por isso, é importante pensar além do delivery”.