Multifranqueados: como fazer sucesso atuando em diferentes segmentos
Não basta ter capital. Para ganhar escala, é preciso visão estratégica de negócios e ‘multipresença’ para acompanhar tudo de perto, como faz Antônio Augusto, que administra duas lojas Divino Fogão e 23 de outras marcas
Ana Carolina tem duas lojas de moda infantil e dois restaurantes. Antônio Augusto tem 25, todas do ramo de alimentação. Já Rivaldo comanda 47 escolas de ensino profissionalizante.
A breve apresentação é de empreendedores que atuam como multifranqueados. De olho no crescimento do setor, eles unem experiência, visão estratégica e foco em sinergia para comandar negócios sob a bandeira de uma grande marca ou rede atuante no franchising.
Dados mais recentes da Associação Brasileira de Franchising (ABF), de 2022, mostram que 83% das redes de franquia têm multifranqueados. Estes representam, em média, 20% do total e 30% das operações, sendo que 52% deles são multifranqueados multimarcas.
Com esses dados aplicados ao montante total do mercado de franchising, apurado no 1º trimestre de 2024, a ABF estima que 2,7 mil redes têm multifranqueados, sendo que 1,4 mil são multimarcas. Estes respondem por 57.412 lojas do total das operações.
Diferentemente do passado, o amadurecimento do mercado e do ecossistema do franchising tem impulsionado o avanço dos multifranqueados, que passaram a entender e se perguntar “no que sou bom”, ou “quais meus pontos fortes”: se é no ponto de venda, na gestão de pessoas ou na liderança, diz José Fugice, CEO do Ecossistema GoAkira, especializado em franquias.
“Quando o movimento ganhou força, dez anos atrás, foram esses franqueados que acabaram mudando de lado do balcão pois descobriram ‘eu sou bom nisso, então vou me especializar, criar uma estrutura e dar sequência'”, conta, lembrando que há casos de mercados, como os Estados Unidos, com franqueados que operam 5 mil unidades. Ou a Arábia Saudita, com a Cenomi Retail (antes Fawaz A.Alhokair), que opera mais de 1,8 mil lojas de 95 marcas.
O caminho normal desses empreendedores é praticamente o mesmo: começam com uma loja, se profissionalizam, ganham escala e veem oportunidade de investir em outras unidades e de atrair funcionários, que diminuem os índices de rotatividade, pois acabam fazendo carreira.
A vantagem, além do ganho de escala, é a diversificação de negócios para franqueadores e franqueados – que encontram uma forma de incrementar seus ganhos como empreendedor, confirmando a máxima de “não colocar todos os ovos na mesma cesta”, reforça Fugice.
“Sem contar a sinergia: se faltar um colaborador na loja do shopping, posso deslocar de outra para cobrir. E ter um estoque único para todas as lojas, diminuindo o estoque de segurança e investindo menos em capital de giro, o que começa a fazer sentido para o meu financeiro.”
Mas cuidar de múltiplas unidades não é um modelo para amadores. Além do risco de apostar as fichas em uma grande estrutura, há também o de ter as expectativas frustradas.
“O grande desafio é saber que cada negócio tem suas particularidades, que devem ser respeitadas: se algo dá certo em uma operação, pode ocorrer o inverso na outra, mesmo estando na mesma cidade”, afirma Claudinei Martins, diretor-executivo, comercial e de marketing do Grupo Kyly.
Original da indústria, o grupo opera no franchising com a Milon, de moda infantil, que tem 107 unidades, sendo 72% que operam duas ou mais unidades. “O principal ponto de atenção é fazer os negócios serem complementares, fazer com que tenham sinergia”, completa.
A seguir, Ana, Antônio e Rivaldo, franqueados multiunidades e multimarcas, contam um pouco das vantagens, desafios e aprendizados de estar à frente do modelo:
INTERCÂMBIO SEGURO
Foi atuando na administração de um shopping em Bauru (SP), onde mora, que a advogada Ana Carolina Andrioli se interessou por empreender no franchising. Junto com o marido, engenheiro, investiram, em 2017, em uma franquia do ramo de alimentação (Spoleto). Depois, adquiriram uma da Milon e hoje comandam duas lojas de cada marca, em dois shoppings da cidade.
“Apesar de as duas operações que iniciamos serem de repasse, ambas estavam redondas e já era a hora de terem novos negócios”, conta. “Por isso, acabamos expandindo com abertura de mais uma loja de cada marca.”
Foram premiados entre as 10 franquias da rede de alimentação com maior crescimento no primeiro ano, e destaque em treinamento na Milon.
Ana Carolina afirma que a vantagem de operar múltiplas franquias em segmentos diferentes é o intercâmbio de informações, além da segurança que o varejo proporciona: trabalham com uma marca de vestuário que tem movimentações mais sazonais, enquanto a operação de alimentação é mais constante. Isso favorece o fluxo de caixa da empresa, explica.Ana Carolina: operações diferentes, fluxo de caixa favorecido
“Já as desvantagens, no nosso caso, são cenários bem diferentes, e acabamos tendo formas diferentes de lidar com as pessoas, com o dia a dia, e isso exige jogo de cintura para que a gente consiga operar as duas marcas de forma satisfatória.”
Para 2024, a perspectiva média de crescimento das quatro lojas é em torno de 20%. “Ainda temos um semestre pela frente, por isso estamos batalhando bastante, promovendo diversas ações para melhorias, e com muita dedicação para o crescimento efetivamente acontecer”, sinaliza Ana. Hoje, ela e o marido se dedicam apenas à atividade de multifranqueados.
RISCOS (BEM) CALCULADOSPaulista, o ex-consultor do Sebrae Antônio Augusto, o “Lico”, aceitou convite de trabalho no Norte do país (Rondônia) há 23 anos e lá entendeu que tinha uma veia empreendedora. Hoje, à frente de 25 lojas de alimentação – duas Divino Fogão, 10 do Bob’s (5 lojas e 5 quiosques), nove unidades Subway, duas do KFC e duas de marca própria (Caboquinho e Casa Gourmet) -, e mesmo sendo especialista em negócios, contabiliza aprendizados ao longo desses anos.
Com lojas localizadas em cidades como Rio Branco (AC) e Manaus (AM), ele lembra do início, quando tinha apenas uma marca de batata recheada. Por ser um produto quente, não performava bem na região. Mas percebi que era oportuno oferecer alimentação self-service de qualidade, então procuramos o Divino Fogão. Afinal, a sinergia com o franqueador conta muito.”
Ao dizer que empreender no Brasil é se superar a cada dia e se reinventar muitas vezes, Lico lembra que ousar também leva ao equívoco – como errar o ponto comercial. Isso, ao mesmo tempo em que se tenta superar imprevistos ou adversidades do cenário político-econômico.
“Mas ser multifranqueado lhe faz ser mais sólido em seu segmento de atuação: penso que colocar os ovos em cestas diferentes nos faz correr menos riscos”, afirma. “Ser multi também permite crescer em números, inclusive em ganhos, e especialmente em conhecimento, para alcançar um outro patamar em negociações com parceiros, por exemplo.”
Ter um perfil ousado, mas correndo sempre riscos calculados, ser comprometido, atento aos resultados, além de ser capaz de formar e liderar um bom time também são diferenciais, diz. Principalmente na expansão. “Nas lojas atuais, acredito que cresceremos até 10% em 2024. Mas abriremos mais cinco lojas neste ano e outras cinco no próximo.”
ONIPRESENÇA QUE FAZ A DIFERENÇA
Dos 33 anos de atividades da Microlins, rede de ensino profissionalizante do grupo MoveEdu, o franqueado Rivaldo Guedes já está com a marca há 23. E, nesse tempo, tornou-se um dos maiores multifranqueados multiunidade do Brasil: está à frente da operação de 47 escolas, com uma cartela de 15 mil alunos e 500 funcionários na Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso e Rondônia.
Assim como a maioria dos franqueados, esse caminho começou ao perceber o sucesso da operação que, segundo ele, virou referência para outros investidores da rede. “Recebi o convite para me tornar parceiro de outras unidades e iniciar a expansão para o Sul e Oeste da Bahia. Com as conquistas como gestor, pude iniciar meu próprio projeto de expansão.”
Perguntado sobre as vantagens de ser multifranqueado, Guedes afirma que poder trabalhar com pessoas, além de incrementar suas receitas como pessoa física, e proporcionar sucesso financeiro, pessoal e profissional para sócios e colaboradores, é uma delas.
Já a desvantagem é a “multiplicação de tempo e presença”, conforme brinca. “Por mais que tenha uma gestão delegada e distribuída, faço questão de falar todos os dias com as equipes, e visito escolas de todos os estados: as mais próximas, semanalmente; as unidades em um raio de 300 km, uma vez ao mês; e as mais distantes, uma vez a cada três meses.”Rivaldo, da Microlins: presença ‘multiplicada’, mas com gestão bem delegada e distribuída
Ex-corretor de imóveis e contabilista, além de ter atuado no ramo frigorífico, Guedes acredita que o segredo para ser um franqueado bem-sucedido é gostar de pessoas e de gestão – pilar necessário para montar equipes com sinergia.
“É importante respeitar as individualidades. Além de ser multifranqueado, sou multisocietário, crescendo com outras pessoas. Acredito que esta seja a chave do sucesso”, afirma o empresário, que espera crescimento de 10% a 15% no faturamento em 2024. “Já em termos de loja, em dois anos, almejamos ter 60 escolas em funcionamento”, sinaliza.
IMAGENS: divulgação/diário do comércio