Inadimplência das famílias trilha um caminho difícil

 Inadimplência das famílias trilha um caminho difícil

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Levantamento da Boa Vista mostra que de janeiro a maio deste ano 61% dos consumidores que haviam deixado a base de inadimplentes no final do ano passado já voltaram a ter alguma restrição de crédito

*com Rafael Ciampone, economistas da Boa Vista

A despeito do atraso recente na divulgação de dados oficiais pelo Banco Central, não é preciso tê-los em mãos para qualificar o cenário econômico atual como sendo muito difícil ao consumidor. Se os dados do Banco Central, no caso, a falta deles, “não” nos permite afirmar isso com toda a certeza, outros fatores nos mostram que o caminho não tem como ser muito diferente daquele projetado no ano passado, no qual, a inflação, o aumento dos juros e as baixas expectativas de crescimento impulsionariam a volta de uma inadimplência, antes represada.

Falando em dados, só para citar alguns deles, o indicador de Registros de Inadimplentes da Boa Vista acumulou alta de 12,4% de janeiro a maio de 2022 em comparação ao mesmo período de 2021. Na análise acumulada em 12 meses, a trajetória de crescimento acelerado da curva de longo prazo também aponta para um aumento da taxa de inadimplência das famílias com recursos livres.

Outro levantamento feito pela Boa Vista apurou que de janeiro a maio deste ano 61% dos consumidores que haviam deixado a base de inadimplentes da empresa no final do ano passado já voltaram a ter alguma restrição de crédito ao menos uma vez. Esse número é maior em comparação ao mesmo período de anos anteriores. Em 2021 esse número foi de 56%, em 2020 foi de 41% e em 2019 foi de 43%.

Isso, por si só, não deveria ser uma surpresa, dado que o quadro atual se “resume”, não apenas, à inflação e juros altos, como também a uma taxa de desemprego ainda elevada, apesar de muito melhor em comparação ao período mais severo da pandemia, e ao aumento no comprometimento da renda. Tendo este “combo” pela frente, é quase natural que os consumidores encontrem dificuldades em manter as contas em dia.

Outro dado que ajuda a refletir um pouco disso é a confiança dos consumidores apurada pela FGV. O Índice de Confiança do Consumidor oscilou bastante no 1º semestre, está 3,5 pontos acima da marca registrada em dezembro de 2021, mas ainda abaixo do nível observado antes da pandemia.

Quem também ruma para cima é o saldo inadimplente, contudo, num mercado em evolução, como é o caso do mercado de crédito, isso não é, necessariamente, um problema, afinal, se de um lado temos mais crédito, de outro, obrigatoriamente, temos mais dívida. Ao final de 2007, por exemplo, o saldo inadimplente era em torno de R$ 22 bilhões, enquanto em fevereiro deste ano ele era superior a R$ 72 bilhões. Nesse período, enquanto o saldo inadimplente pouco mais que duplicou, o tamanho do saldo de crédito livre às famílias quase quadruplicou.

Então, qual seria o problema? A questão é a proporção deste saldo em relação à outras variáveis, como, por exemplo, o consumo das famílias. Mais do que isso, se o comprometimento da renda é alto, coincidentemente, o caso atual, a situação tende a se agravar. A comparação também poderia ser feita em relação ao PIB, mas, dado que o foco é o consumidor e as linhas de crédito livre das quais ele dispõe, seguiremos nessa linha de raciocínio.

Voltando um pouco no tempo, nas últimas crises econômicas, exceto durante a pandemia, mas, novamente, por motivos exógenos, a relação entre o saldo inadimplente e o consumo das famílias sempre subiu e depois retornou aos níveis de antes, mesmo movimento observado na taxa de inadimplência. Foi assim em 2008 (Subprime), 2011/12 (excesso de crédito na economia brasileira) e 2015/16 (crise interna).

Agora, de volta ao problema, dado o “combo” citado anteriormente, essa relação tende a superar os patamares verificados noutras crises. Fazendo um exercício rápido de simulação e considerando i) um crescimento anual de 17% na carteira de crédito livre às pessoas físicas, ii) uma elevação de 1,7% no Consumo das Famílias em 2022, ambos adiantados pelo diretor de política monetária do Banco Central, Diogo Guillen, e iii) diferentes níveis para a taxa de inadimplência ao final do ano, de 5,2% (cenário base) e de 5,6% (nível pré-pandemia), teríamos:

É perceptível que o nível observado durante a crise de 2011/12, quando o excesso de crédito foi o catalizador da inadimplência, pode ser superado desta vez (talvez por que o crédito esteja em excesso agora também?). Indo um pouco mais além, as projeções também estão muito próximas daquilo que se viu após a crise de 2008, quando a razão entre o saldo inadimplente e o consumo das famílias atingiu 1,86% em maio de 2009.

Avançando só mais um pouco, embora este exemplo esteja muito longe de ser um contrafactual perfeito, quando a pandemia eclodiu no Brasil a expectativa era de que a inadimplência das famílias com recursos livres superasse a casa dos 6%, neste caso, se isso acontecesse agora, algo que não pode ser totalmente descartado, o pico seria renovado para algo acima de 1,86%, ou seja, parece que os impactos das últimas crises, que vieram uma atrás da outra (covid, crise hídrica, falta de matérias-primas, inflação e guerra), ainda serão sentidos por um bom tempo.